Imagem: Niklas Elmehed © Nobel Prize Outreach
Trabalho de premiados facilitou a produção de fármacos e possibilitou o desenvolvimento de tratamentos melhor direcionados contra o câncer. Barry Sharpless ganhou o Nobel pela segunda vez.
Carolyn R. Bertozzi (Universidade de Stanford, EUA), Morten Meldal (Universidade de Copenhagen, Dinamarca) e K. Barry Sharpless (Scripps Research Institute, EUA) foram os laureados do Prêmio Nobel de Química de 2022. Os pesquisadores receberam o reconhecimento nesta quarta-feira (5), pelo “desenvolvimento da química do clique e da química bioortogonal”, com a criação de uma nova abordagem para a construção de moléculas.
Desde o surgimento da química moderna, por volta do século 18, os intrincados padrões e mecanismos da natureza têm chamado a atenção dos cientistas, que enxergam no meio natural um modelo de eficiência. Ao longo dos anos, pesquisadores trabalharam em técnicas para construir artificialmente estruturas moleculares complexas, como as que são encontradas em plantas, microorganismos e animais. A evolução desse conhecimento impactou diretamente no desenvolvimento de fármacos e na criação de novos materiais, como polímeros e géis. Porém, por muito tempo, esse foi um processo extremamente complicado para químicos e demais pesquisadores.
Parte das dificuldades da construção de moléculas complexas é que o processo envolvia muitos passos. A cada etapa eram gerados subprodutos indesejados que deveriam ser eliminados pelos pesquisadores antes de dar continuidade ao procedimento. A questão é que, dependendo da quantidade de subprodutos gerados, ao final restava pouquíssimo material molecular para continuar o trabalho. Além de longo, o método de construção de uma molécula era também muito caro.
SIMPLIFICANDO O COMPLICADO
Nos anos 2000, Sharpless, que está recebendo seu segundo Nobel na área, apresentou uma técnica chamada “química do clique”, que seria o ponto inicial para uma era da “química funcional”, como aponta o comitê do Nobel. Seguindo essa técnica, a construção de uma molécula ficou parecida com o jogo lego: é possível juntar blocos de construção moleculares de maneira rápida e eficiente.
Antes da química do clique, a construção de moléculas era feita a partir de conexões de carbono entre os átomos. Entretanto, apesar dessas conexões serem facilmente feitas na natureza, em ambiente de laboratório o processo não é tão simples. Isso ocorre porque átomos de moléculas diferentes nem sempre têm um componente químico responsável por realizar as ligações necessárias, o que faz com que isso tenha que ser feito artificialmente. Esse processo começa a originar subprodutos indesejados e, consequentemente, a perda de material molecular. “Em geral, a síntese de compostos orgânicos com ação farmacológica utiliza métodos complexos e bem onerosos, que demandam muito tempo e que, na maioria das vezes, resultam em baixo rendimento”, comenta o professor do Instituto de Química da Unesp, Reinaldo Marchetto.
Para contornar essa dificuldade, Sharpless começou a utilizar moléculas menores, que podem ser ligadas por meio de espaçadores contendo átomos de nitrogênio ou de oxigênio, mais simples de controlar. Esse método ficou conhecido como “química do clique”, fazendo referência ao som de “clique” emitido quando duas peças são conectadas, e se mostrou extremamente eficiente, não apenas em acelerar a construção de moléculas, como também em minimizar a perda de material. “Combinando simples blocos de construção químicos é possível criar uma variedade praticamente infinita de moléculas”, informou a Academia Real das Ciências da Suécia.
O professor do Instituto de Química da Unesp, Nailton Monteiro do Nascimento Júnior, líder do Laboratório de Química Medicinal, Síntese Orgânica e Modelagem Molecular, destaca como a química do clique permitiu que as reações tivessem um rendimento elevado, podendo chegar próximo de 100%, e explica seu potencial em diversificar as possibilidades de combinações entre as moléculas. “Na química do clique, você pode juntar dois blocos de construção. Podemos chamar um bloco de A e o outro de B. Sendo que A pode diversos padrões estruturais e B também, então é possível explorar essas diferentes combinações entre funções e, com isso, conseguimos ter uma quimiodiversidade muito maior”, comenta o pesquisador.
Marchetto também comenta outras qualidades do método. Segundo o professor, “as reações de clique necessitam de condições simples para ocorrer: não usam solventes ou se usam estes são atóxicos e inofensivos; usam materiais de partida estáveis e de simples obtenção; e não necessitam de cuidados especiais, como nos métodos tradicionais”.
No ano seguinte, em 2001, Meldal apresentou ao mundo uma elegante reação química que recebeu o apelido de “joia da coroa” da química do clique. A reação química, chamada de cicloadição entre azida-alcino catalisada por cobre (CuAAC), cria uma estrutura conhecida como Triazol, um importante bloco de construção de moléculas. O Triazol é encontrado em fármacos, corantes e produtos químicos agrícolas.
Apesar de sua relevância, era difícil produzir o Triazol, porque o processo gerava uma grande quantidade de subprodutos. Foi graças à reação encontrada por Meldal que a produção destes blocos tão desejados ficou mais simples e passou a gerar apenas um produto: o próprio Triazol. Em 2002, Meldal publicou um artigo comprovando que a reação podia ser utilizada para ligar várias moléculas distintas. No mesmo ano, Sharpless, de maneira independente, publicou um artigo sobre esta mesma reação, destacando que ela é uma reação de clique ideal.
Por fim, em 2003, Bertozzi elevou ainda mais a utilização da química do clique. A pesquisadora mapeou biomoléculas presentes na superfície de células, os glicanos, e, com isso, desenvolveu reações de clique que funcionavam em organismos vivos, algo que não tinha sido feito até então. Essas reações ficaram conhecidas como reações bioortogonais e, um de seus grandes diferenciais, é que ela não perturba a química natural da célula e nem outros processos biológicos do organismo.
“Na química bioortogonal, geralmente as reações são feitas dentro de sistemas vivos. Essa é uma grande diferença e, também, um complemento do trabalho da Bertozzi em relação à pesquisa do Sharpless. Por trabalhar com sistemas vivos, Bertozzi desenvolveu tecnologias sem metais para catalisar as reações. Os metais podem ser muito úteis, como na obtenção de metalofármacos empregados na medicina diagnóstica, mas não utilizá-los nesse processo especificamente é muito interessante. Especialmente porque eles podem causar algum efeito adverso, quando empregados em quantidades superiores às toleradas pelo organismo”, comenta o pesquisador Nascimento-Júnior.
Após esse desenvolvimento, as reações biortogonais passaram a ser utilizadas para explorar e rastrear processos biológicos. O que permite, por exemplo, que tratamentos contra o câncer sejam melhor direcionados. Esse é um dos focos de Bertozzi. Ao analisar os glicanos localizados na superfície de células tumorais, a pesquisadora descobriu que estas biomoléculas parecem funcionar como um escudo, protegendo o tumor ao “desativar” as células do sistema imunológico do corpo.
Juntamente com seu grupo de pesquisa, Bertozzi tem desenvolvido um novo candidato à fármaco com o objetivo de quebrar os glicanos nas células tumorais, para permitir que nosso corpo responda corretamente em defesa. Atualmente, o tratamento está em fase de testes clínicos, em pessoas com câncer avançado. Os progressos científicos feitos pelo trio de laureados estão longe de ter chegado ao seu limite. Eles abriram um caminho no qual novas descobertas e utilizações da química molecular se fazem possíveis, graças às facilidades que a química do clique trouxe para o campo. Como anunciou a Academia Real das Ciências da Suécia, “O Prêmio de Química deste ano é sobre não complicar demais as coisas, mas de trabalhar com o que é fácil e simples” e, como completa Nascimento-Júnior “visando à eficiência, versatilidade e funcionalidade em aplicações relevantes”.
Fonte: Jornal da Unesp