Artigo: Por Marcelo Valadares, neurocirurgião
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Por Dr. Marcelo Valadares, neurocirurgião
A trajetória de um paciente com dor crônica antes do diagnóstico pode ser um caminho árduo. Por nem sempre se tratar de algo visível, a pessoa pode ter sua dor minimizada. Além de ser desagradável para o organismo, acaba sendo um fardo emocional. Globalmente, estima-se que 1,5 bilhões de pessoas (uma em cada cinco) sofra de dores crônicas, com prevalência maior em pacientes com idade mais avançada. No Brasil, de acordo com a Sociedade Brasileira de Estudo da Dor (SBED), ao menos 37% da população, ou seja, cerca de 60 milhões de pessoas, relatam sentir dor de forma crônica.
Estudos mostram que 46% das pessoas experimentam dor constante. 59% delas já conviveram com a dor durante 2 a 15 anos, enquanto 19% das pessoas deixam de exercer atividades que parecem simples para todos, como trabalhar, por consequência da dor [1]. Chamamos de crônica a dor persistente, que incomoda o paciente por meses ou, até mesmo, anos. Mesmo que não seja aparente, em muitos casos pode ser um alerta de extrema importância para a saúde.
Em situações em que a dor já é crônica ela, inclusive, pode indicar outras doenças. Por essa razão, é importante estar atento aos sintomas e aos pontos preocupantes. Se não tratada, pode levar a outros problemas que antes não existiam, como: limitações na mobilidade, redução de atividades (tendência ao sedentarismo) e fadiga, além de prejudicar a ergonomia.
Felizmente, hoje existem inúmeras formas de cuidar da dor crônica. Quando o especialista busca definir o melhor tratamento, procura identificar a origem do problema, definir as características da dor e buscar informações sobre a saúde do paciente, a fim de escolher a melhor abordagem. Cada caso é único: nem todo remédio serve para todo mundo; nem sempre exercícios físicos são recomendados.
O tratamento multidisciplinar começa quando entendemos as particularidades de cada paciente. Como objetivo do tratamento, é possível eliminar a dor em alguns casos. Mesmo que isso não seja realidade para todos, sempre será possível trazer qualidade de vida e, com certeza, uma melhora funcional significativa, ou seja: viver com conforto, realizando as atividades cotidianas sem problemas e sem sofrimento.
Além dos tratamentos medicamentosos e das terapias complementares, hoje também temos opções cirúrgicas promissoras para tratamento da dor. Nos casos em que os fármacos não são mais adequados ou suficientes, tratamentos como os bloqueios de nervos e infiltrações com anestésicos, cirurgias pouco invasivas por vídeo e cirurgias percutâneas, ou seja, sem a necessidade de uso de bisturi, são possíveis.
Com os avanços da ciência, é também possível pensar em tratamentos de estimulação cerebral para a dor. Os procedimentos de neuromodulação (estimulação) cerebral ou medular, quando bem indicados, podem ser um excelente tratamento para a dor crônica em casos muito complexos e que já tentaram diversos tratamentos, com médicos diferentes. É preciso que a dor do paciente tenha algumas características que demonstrem acometimento de nervos ou do sistema nervoso, como as lombalgias (dores na região lombar) após cirurgias de coluna.
Quando falamos sobre cirurgias de forma geral, as pessoas normalmente se assustam: afinal de contas, ninguém quer passar por uma cirurgia. Mas não há motivos para isso. As cirurgias para a dor são mais simples do que parecem. Podem ser usadas principalmente quando sabemos que existe uma causa para a dor e, neste caso, que a cura é possível.
Porém, sabemos também que, muitas vezes, a causa da dor não pode ser curada. Entram em cena, portanto, as cirurgias com implantes de aparelhos que funcionam como computadores ligados a eletrodos, pequenos fios que permanecem totalmente implantados no corpo da pessoa. Esses aparelhos têm o poder de mudar a forma como a dor é percebida ou, até mesmo, bloquear a percepção da dor, levando a um alívio importante e, muitas vezes, duradouro. Essas cirurgias são chamadas de neuromodulação, mudando a forma como os neurônios transmitem a dor.
A dor crônica pode e deve ser tratada. Não é normal aceitar a dor e se limitar por conta dela. Se tiver sinais de que sua situação é persistente, busque um neurologista ou neurocirurgião especialista em tratamento da dor.
[1] Breivik H, Collett B, Ventafridda V, et al. (2006). Eur J Pain; 10: 287–333
FONTE: Marcelo Valadares é neurocirurgião, médico da Disciplina de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Hospital Israelita Albert Einstein.